
A mais recente atualização da “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelou uma realidade alarmante sobre o trabalho análogo à escravidão no Brasil. Com 726 empregadores envolvidos em práticas degradantes, o documento trouxe à tona uma série de denúncias graves, entre elas, a inclusão do cantor Leonardo. As revelações feitas pelo relatório detalham como mais de 800 trabalhadores em Goiás foram submetidos a condições desumanas entre 2020 e 2023.
A “Lista Suja” do MTE: Transparência no combate à escravidão
A “lista suja” é um dos principais mecanismos de transparência e combate ao trabalho análogo à escravidão no Brasil. Ela é atualizada semestralmente e inclui empregadores — pessoas físicas ou jurídicas — que foram formalmente responsabilizados por submeterem trabalhadores a condições que violam direitos humanos fundamentais.
A inclusão de um nome nessa lista ocorre apenas após a conclusão de um processo administrativo, e os empregadores permanecem na lista por um período de dois anos. A mais recente atualização, divulgada no dia 7 de outubro de 2024, trouxe 176 novos nomes, entre eles 20 por práticas em âmbito doméstico.
Em Goiás, o relatório identificou 28 empregadores envolvidos em práticas análogas à escravidão. Dentre os casos mais notáveis, um deles chamou a atenção do público: o cantor sertanejo Leonardo foi incluído na lista após uma fiscalização em sua propriedade rural, a Fazenda Talismã, localizada em Jussara, no noroeste do estado. Essa inclusão trouxe à tona uma série de detalhes perturbadores sobre as condições enfrentadas pelos trabalhadores no local.
A Fazenda Talismã e a fiscalização que resgatou trabalhadores
A fiscalização do Ministério do Trabalho na fazenda de Leonardo ocorreu em novembro de 2023. Durante a operação, seis trabalhadores foram resgatados, entre eles um adolescente de 17 anos. Eles foram encontrados em condições extremamente degradantes, vivendo em alojamentos precários, sem banheiros, sem água potável, e com camas improvisadas feitas de tábuas de madeira e espuma velha.

De acordo com o relatório, a fazenda onde os trabalhadores estavam localiza-se em uma área arrendada da Fazenda Talismã, mas a responsabilidade direta pelo bem-estar desses trabalhadores recaiu sobre Leonardo, uma vez que a propriedade estava em seu nome.
Os detalhes são estarrecedores. Os trabalhadores dormiam em uma casa abandonada, sem telhado adequado, o que permitia a entrada de chuva, e infestada por morcegos e fezes dos animais. A casa não possuía banheiros funcionais, obrigando os trabalhadores a urinar e defecar em áreas abertas, como embaixo de árvores e em um bambuzal próximo.
Sem acesso a chuveiros, eles improvisaram um sistema com uma mangueira preta amarrada a uma estrutura de madeira, ligada a uma bomba d’água submersível que causava choques elétricos ao ser manuseada.




Cenário de exploração: condições degradantes na fazenda
O relato sobre as condições de trabalho na Fazenda Talismã é um retrato doloroso da exploração enfrentada por muitos trabalhadores rurais no Brasil. As tarimbas improvisadas com tábuas de madeira e portas velhas, o alojamento infestado por morcegos e fezes, a ausência de instalações básicas como banheiros e água potável — tudo isso foi destacado no relatório como exemplos de uma realidade que deveria ter ficado no passado, mas que ainda afeta a vida de centenas de pessoas.
Os seis trabalhadores resgatados dependiam de uma mangueira para tomar banho e lavar roupas. A única água disponível vinha de um poço mal conservado, que permitia a entrada de animais mortos, potencialmente contaminando a água. Os fiscais também relataram que os trabalhadores precisavam se deslocar a pé por cerca de 2 quilômetros até a sede da fazenda para encher garrafas térmicas com água de um bebedouro que também não era tratado. Essas condições, de acordo com o MTE, configuram escravidão contemporânea.
A defensiva de Leonardo: a fazenda estava arrendada?
Desde que o nome de Leonardo foi incluído na “lista suja”, o cantor e sua defesa têm insistido na tese de que ele não tinha conhecimento das condições de trabalho e que a área onde os trabalhadores foram resgatados estava arrendada para outra pessoa. O advogado de Leonardo, Pedro Vaz, afirmou que a responsabilidade pelos trabalhadores não era do cantor, já que a parte da propriedade onde a exploração ocorreu foi cedida para o plantio de soja. Segundo a defesa, o cantor apenas pagou as indenizações devidas para evitar maiores problemas e arquivar o processo.
Leonardo se pronunciou sobre o caso em suas redes sociais, declarando que “jamais faria isso” e que houve um grande equívoco ao incluí-lo na lista.
No entanto, para o MTE, a responsabilidade pelo que acontece em uma propriedade registrada em nome de uma pessoa física ou jurídica recai sobre essa pessoa, independentemente de arrendamentos ou subcontratações.
A escravidão contemporânea em Goiás: números que alarmam
O caso de Leonardo não é isolado. Goiás tem sido um dos estados mais afetados pelo trabalho análogo à escravidão nos últimos anos. Entre 2020 e 2023, mais de 800 trabalhadores foram resgatados em operações de fiscalização em fazendas, indústrias e até no trabalho doméstico.
A “lista suja” atual destaca 28 empregadores goianos, responsáveis por submeter um número expressivo de trabalhadores a condições degradantes. Em um dos casos mais graves, uma única empresa foi responsabilizada por manter 212 funcionários em condições análogas à escravidão.
Entre os empregadores citados na lista, há nomes de grandes propriedades rurais, indústrias de cerâmica e até mesmo fazendas dedicadas à produção de carvão. A variedade dos setores envolvidos mostra que o problema do trabalho escravo não se limita ao campo e está presente em diversas áreas da economia, afetando trabalhadores em diferentes contextos.
As Consequências da Inclusão na “Lista Suja”

Estar incluído na “lista suja” do MTE traz consequências significativas para os empregadores. Além da exposição pública, essas empresas e indivíduos enfrentam restrições no acesso a créditos e financiamentos públicos e privados. Instituições financeiras são orientadas a não conceder crédito a empregadores envolvidos em práticas de escravidão contemporânea, o que pode causar impactos econômicos significativos. Além disso, o nome dos empregadores permanece na lista por dois anos, mesmo que medidas corretivas sejam tomadas.
No caso de Leonardo, sua inclusão na lista pode afetar sua imagem pública e suas atividades econômicas ligadas à propriedade rural. Apesar das tentativas de remover seu nome da lista, o processo administrativo do MTE segue um protocolo rígido, e qualquer contestação será avaliada com base nas evidências coletadas durante a fiscalização.
“Lista suja” em Goiás
- Walter Antônio Dalben Serviços de Apoio à Agricultura Ltda: 37 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda do Advaldo, Santa Bárbara de Goiás.
- Agropecuária Harmonia Ltda: 3 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Boa Esperança, Goiás (GO).
- Agro Pecuária Nova Gália Ltda: 138 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda São Franck, Acreúna, Goiás.
- Cerâmica Estância Ltda: 19 trabalhadores envolvidos. Local: Jataí, Goiás.
- Diogo Construções e Empreendimentos Eireli: 12 trabalhadores envolvidos. Local: Rio Verde, Goiás.
- Éder Lúcio Santana Carneiro: 4 trabalhadores envolvidos. Local: Carvoaria na Fazenda Aruana, Sítio D’Abadia, Goiás.
- Edvaldo Cadamuro: 33 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Arca de Noé, Pontalina, Goiás.
- Emival Eterno da Costa: 6 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Talismã, Jussara, Goiás.
- Hebert Severo da Costa: 15 trabalhadores envolvidos. Local: Jardim América, Goiânia, Goiás.
- Jânio Lúcio Aguiar: 6 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Marcela, Rio Verde, Goiás.
- João Favarim: 40 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Arrozal, Nazário, Goiás.
- João Vitor da Fonseca Ltda: 49 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Amburana, Santa Bárbara de Goiás.
- Leomar Messias de Oliveira: 4 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Capim Pubá, Heitoraí, Goiás.
- Leonel José Vacário: 83 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Santa Beatriz, Campo Alegre de Goiás, Goiás.
- Luiz Gustavo Lemos: 23 trabalhadores envolvidos. Local: Zona Rural, Serranópolis, Goiás.
- Marciel Monteiro Dutra: 8 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Betânia, Nova Glória, Goiás.
- Maria Antônia Correa Fonseca: 1 trabalhador envolvido. Local: Zona Rural, Quirinópolis, Goiás.
- Maria Gomes Bastos: 1 trabalhador envolvido. Local: Jundiaí, Anápolis, Goiás.
- Max Daniel Moreira de Freitas Monteiro: 51 trabalhadores envolvidos. Local: Zona Rural, São Simão, Goiás.
- Osmiro José de Oliveira: 1 trabalhador envolvido. Local: Jardim América, Goiânia, Goiás.
- Osny Moreira de Melo: 3 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda São Geraldo, Goiandira, Goiás.
- Otacílio Donizete de Oliveira: 12 trabalhadores envolvidos. Local: Sítio Arrozal, Trindade, Goiás.
- Rações e Misturas Sertaneja Ltda: 13 trabalhadores envolvidos. Local: Setor Industrial, Acreúna, Goiás.
- Recitudo Comércio de Reciclagem Ltda: 15 trabalhadores envolvidos. Local: Recitudo Recicláveis, Jardim América, Goiânia, Goiás.
- S&S Nascimento Serviços e Transportes Ltda: 212 trabalhadores envolvidos. Local: Zona Rural – Itumbiara, Goiás, Turvelândia, Goiás e Acreúna, Goiás, Porteirão, Goiás e Araporã, MG.
- Vairo Moreira de Mendonça: 3 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Santa Bárbara ou Vertente do Meio, Zona Rural de Vicentinópolis, Goiás.
- Vanderlei Elger: 5 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Campo Novo, Aporé, Goiás.
- Veridiano Evangelista Itacaramby: 7 trabalhadores envolvidos. Local: Fazenda Mata Grande, Montes Claros de Goiás, Goiás.
Veja a lista completa aqui.
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